14 de fevereiro de 2013

Os Ratos das Botas - história do dia

Os Ratos das Botas

OS RATOS DAS BOTAS

António Torrado escreveu e Cristina Malaquias ilustrou



Eram dois ratos e cada um vivia na sua bota. Mas viviam um tanto afastados, porque, embora as botas fossem irmãs e em tempos tivessem caminhado juntas, os ratos que as habitavam, por razões que não vêm para o caso, andavam de mal um com o outro.
Por isso estavam as botas de costas voltadas, isto é, de calcanhares voltados, como as botas de Charlot.

Mas, num dia de grande temporal, o vento soprou a valer por aqueles sítios e empurrou uma das botas em direcção à irmã, que também se deslocou com a ventania.
– Quem está aos pontapés à minha casa? – irritou-se um dos ratinhos, muito assustado com a tempestade.
O vento puxou a chuva que, cada vez mais forte, alagou aquele cantinho do mundo onde estavam as botas.

– Ora botas! Já nem se vive em sossego na nossa própria casa – lastimou-se um dos ratinhos. Graças à proximidade, o outro rato ouviu o vizinho queixar-se e também se lamentou:
– Casas velhas e mal calafetadas não dão segurança nenhuma. Ora botas! Ora botas!
Que o pior ainda estava para vir. Quando a água da chuva inundou aquelas paragens, e a corrente deu em rio, as duas botas foram arrastadas na chuva e rolaram, muito trangalhadanças, sobre pedras e seixos.
– Ora botas! Em vez de casa, um barco – desesperava-se um ratinho.
– Ora botas! Em vez de bota, um bote – desesperava-se o outro ratinho.
Amainou a tempestade, estancou a chuva e as duas botas acabaram poisadas, lado a lado, num montinho de areia.
Os dois ratos, quando sentiram que o perigo tinha passado, saíram ao mesmo tempo das respectivas botas, isto é, das respectivas casas.
– Que viagem mais tormentosa – queixou-se um.
– Nunca mais acabava – queixou-se o outro.
Sem darem por isso estavam a falar um com o outro.
– Mas o sítio é bonito.
– E tem bom ar.
– E boa vista.
– E bom piso.
Um dos ratinhos apontou para a bota, isto é, para a casa do outro, e reparou:
– Tem as persianas todas escangalhadas. Eram os atacadores fora das ilhós e deslaçados.
O outro ratinho retorquiu:
– As suas persianas também precisam de arranjo. Eu ajudo-o. Passaram a tarde a consertar as casas e, com a boa ajuda um do outro, o trabalho rendeu muito. Vão agora, segundo combinaram, fazer uma vedação para proteger uma horta, que querem cultivar a meias.

Ficaram outra vez dois ratinhos amigos, e as botas, aliás as casas geminadas, são bem prova disso.

FIM

5 de fevereiro de 2013

A Força da Pulga - uma história por dia

A FORÇA DA PULGA
António Torrado

escreveu e

Cristina Malaquias ilustrou

 

O homem das forças achou uma pulga. Prendeu-a entre os dedos e disse-lhe:

– És um ser insignificante e reles. Como te atreves a aparecer ao pé de mim, que sou o homem mais forte do mundo?

Respondeu a pulga:

– Fraca serei, mas, se eu quiser, levanto-te em peso. Aposto contigo.

O homem riu-se da prosápia da pulga. Ia a castigá-la pelo atrevimento, mas ela escorregou-lhe pela polpa dos dedos e desapareceu.

Estava já o homem das forças a dormir, quando a pulga se chegou, de novo, a ele. Passeou pelos lençóis e
procurou-lhe o quente do corpo. Num sítio azado, por altura dos rins, ferrou-lhe uma grande dentada.

O homem, que estava no mais fundo do sono, mesmo assim, sentiu-se. Ergueu o corpo, apoiando-se na nuca e nos calcanhares e coçou, instintivamente, o lugar picado.

A pulga escapuliu-se-lhe às unhas e pregou-lhe outra ferroada, no mesmo sítio. Mais se arqueou o corpo do homem das forças, levantando ainda mais alto os lençóis que o cobriram.

Quem não soubesse a razão destes movimentos, acharia que o homem estava a ser soerguido e levado ao colo por uma escondida força, superior à dele.

E estava.

O homem das forças acordou, atormentado pela comichão, mas a pulga nem se deu ao trabalho de cobrar-lhe a aposta. Com certos casmurros, quanto menos conversas, melhor.

E, aqui para nós, com aquelas duas chupadelas de sangue já se sentia bem paga…

FIM
 
Saudações encantadas!
Uma história por dia nem sabes o bem que te fazia!